gostou?

gostou?

quinta-feira, 26 de março de 2009

Uma Barriga que Cresce

.
Seis anos e quase meio depois, falo dessa estória como se não tivesse sido comigo. Como se uma outra eu tivesse vivido aqueles seis meses tão intensos. Seis meses que se anunciaram como uma mudança para sempre, e que mudaram sim, mudaram tudo, apesar de na prática nada ter mudado.
Exame positivo de gravidez é emoção de mistura. Desespero profundo, alegria alucinadora, vontade de correr chorando, gargalhar aos saltos, ficar quietinha abraçada com sua própria barriga. Ainda mais quando são gêmeos. Aí é tudo isso, em dobro.
Fico pensando qual estrada teria seguido se essa minha não fosse interrompida, se eu carregasse agora dois moleques a tira-colo, não sei se anjos ou capetas, como teria sido? É uma curiosidade sem tamanho nem cabimento, a mesma que às vezes bate quando penso em todas as escolhas que fiz, se medicina, música ou teatro, por exemplo. Ainda que essa não tenha sido propriamente escolha. Ainda que na prática hoje a vida corra como se nada nunca tivesse acontecido.
Mas aconteceu. E talvez esse tenha sido o momento que mais me fez virar essa 'eu' que sei ser hoje.
Lembro da sensação dos meninos chutando aqui dentro. Coisa boa. A única sensação interna que já havia tido era basicamente sexual e aquela era muito mais prazerosa, e nem passava pela libido, era mágico. Simplesmente mágico. Algo como uma indigestão divertida que não doía. Me imaginava o campo de futebol onde eles faziam a festa.
E todo cuidado comigo que dobrou de tamanho. Não hesitava em sair pra caminhar. Nenhuma preguiça. Amava ficar de bobeira na piscina, só mexendo um pouquinho, meio nadando, meio de pata... delícia. Fora alimentação, era um orgulho os exames que não pediam nenhum complemento em pílulas, tamanhos índices.
E a segurança? Em firmar vontades, em poder gritar, discordar. Entendi as leoas, quase como uma delas, defendendo a cria. Entendia a pressa em querer ver aqueles bichinhos do lado de fora da vida ao mesmo tempo em que agradecia a sabedoria do tempo de dar nove meses às mães, necessário para reassimilar toda uma nova estória.
E eu usava barriga de fora! Foi essa a única fase dos meus então 22 anos que não sentia nenhuma vergonha, que saía feliz com o barrigão à mostra, redondo e lindo, sorrindo tanto quanto eu.
Hoje reflito sinceramente se quero embarrigar novamente. Claro que dá um medo da porra. Medo aliás que não sei onde foi parar quando, na época, me dei conta que deixava de ser filha pra ser mãe. Que só aparecia quando eu evitava andar na rua sozinha à noite, quando evitava lugares mais desertos, pois sabia não ser mais dona só de mim. Eu passei a ser três. Medo que nem deu as caras quando ao sentir contrações, no quase completo sexto mês, fui ao médico e ele disse: está nascendo, vamos para a sala de cirurgia. Só deu tempo de ligar pra minha avó: "tá nascendo, vozinha, reza por mim." E fui lá, parir normal, com mãe tão longe, pai operando, cheia de deveres de "segura a respiração, agora solta, agora vaaaai, faz força." Ufa. Quando menos se espera: "ótimo, só falta mais um".
Leoa, novamente.
Embora aqueles ratinhos tivessem pouca chance de virar gente grande, bebê gordinho de capa de revista, me ensinaram pra sempre o tamanho do amor de mãe, inexplicável prazer de saber que a junção de dois pode ser tal que gera um pedaço de carne, osso, pele. Que chora, pisca, aperta o dedo. Mesmo que por pouco tempo. Foram meus bichinhos que por poucos dias precisaram de mim, ao lado, forte, pra agora andarem aqui do meu lado fazendo o papel inverso.
Lembro também da frase que eu repetia que devia ser proibido mãe perder filho. Ainda concordo, embora o tempo me tenha feito esquecer exatamente o miolo dessa dor. Sábio tempo.

E fico aqui pensando qual o exato motivo de escrever sobre isso, tanto tempo depois.
Talvez seja porque andei lendo a estória de uma mulher que teve seu filho, mas perdeu o marido nos últimos meses de gravidez ("para Francisco", vale a pena conhecer). Cheguei pertinho das suas dificuldades, de ter que continuar "remando" sozinha, e de sua alegria em fazer isso pelo pequeno Francisco. Pensei que em minha perda o que restou foi uma estória. Que não carrega nenhuma conseqüência concreta de seu acontecimento, a não ser minha vaga memória. E uma vontade de falar sempre interrompida por algum impulso mais forte de que não vale a pena, de que ninguém precisa mais de estórias tristes, de que já passou, já passou.

É. Dor passa, mesmo. Minha mãe sempre dizia.
.

domingo, 22 de março de 2009

Sobre Mostardas, Vinhos e Canetas

.
Há quem goste das coisas (quaisquer coisas) em quantidade. E há aqueles que optam pela qualidade.
Vejamos.
Se for medir por canetas, prefiro quarenta e nove bics coloridas a uma mont blanc lacrada em sua caixa de veludo. Sem pensar duas vezes. Mas não me venha com qualquer tinta amarela tentando me convencer de que aquilo é mostarda. Não. Isso não.
Percebi que são alegrias completamente diferentes e que provocam satisfações em lugares totalmente distintos.
A quantidade traz uma euforia infantil, delícia. Algo como enfiar a mão no saco de 1kg de M&M's. Criança correndo em loja de brinquedos, ou um sebo de onde não se sabe por onde começar e quais títulos levar. Quantidade parece mágica, impossível, inalcançável.
Já a qualidade oferece a realização plena, me lembra meu avô sentado em sua cadeira de couro, lendo. Ou o sabor em pequenos goles que satisfazem mais pela peculiaridade do gosto do que pelas goladas da sede. A qualidade cala a culpa do gasto em tempo de crise. Um gole daquele vinho nos faz fechar os olhos e esquecer o preço. Talvez por isso minha mãe viva repetindo: o barato sai caro.
E até mesmo esquecendo itens materiais: quem ganha a discussão de que mais vale um passarinho na mão do que dois voando? Mil passarinhos provocam um vôo ímpar, bonito de ver que só. E o que dizer do animal que te reconhece como dono e vem te dar boa noite ao chegar em casa?
Sobre esse muro alto divisor de alegrias, vou caminhando lentamente, ora pulado de um lado, ora paquerando o outro.
Será querer muito, grande quantidade de alta qualidade?
Existe isso?
.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Chuchu

Chuchu: s.m. 1. Legume verde quase branco que se você mastigar distraído nem vai perceber o que é. 2. Diz-se do quarto estado da água: líquida, sólida, gasosa, chuchu. 3. Muito propício à abundância em climas elevados. Segundo ditado popular usado para designar moças soltas: "dá mais do que chuchu na serra". 4. Também mencionado na forma coloquial: xuxu. ou: xuxu-zinho. Apelido carinhoso para aquela que não possui nenhum outro rótulo formal vigente em sociedade, tampouco tem-se vontade de chamar somente pelo nome...

terça-feira, 10 de março de 2009

Furada

E quando estava pronto para abandonar os antigos planos,
refazer metas, revisar conceitos, sonhos,
foi que percebeu que era justamente a hora de segurar as rédeas.
E ir com eles (aqueles, antigos) até o fim.

A vida é feita de armadilhas.
Há tapetes sobre buracos e de tão lindos, coloridos...
uma desatenção e tchum.

Ele que se desdizia tanto e sempre
dessa vez quis ser mais forte.
Mais do que seus próprios impulsos...
É que sua força era mais inteligente do que o buraco do peito

.



buraco cura com carinho
mas respirar fundo e seguir é como terra preta e fresca cobrindo.
dá no mesmo.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Volta Por Cima

Não adianta tentar reerguer antes da hora.
Só mesmo no fundo do poço está a mola propulsora.

domingo, 8 de março de 2009

Para Tocar um Instrumento

.
Meu irmão diz que se você larga seu instrumento um dia, ele te larga uma semana.
Vejam bem, ele é músico e estou falando de instrumentos musicais.
Eu não sou música (musicista?).
Apesar de ter um bom ouvido e cantar às vezes afinadinho, eu não sou música.
Mas sempre resolvo tentar tocar alguma coisa. Violão, sou canhota e teria que ter um invertido só pra mim, o que não era o caso. Bateria, só dava escondida do dono, no caso, meu irmão.
O último foi a flauta transversa, que estava indo muito bem. Quando finalmente chegou a hora de devolver a emprestada e ter a minha própria, mas me faltou verba excedente para tal.
Então parei de estudar.
Agora (1 ano e meio depois?!) ela voltou a ficar meio-comigo, e eu peguei crente que seria simples e fácil voltar a tocar minha única metade de musiquinha que eu sabia.
Levando em conta que tem mais ou menos 548 dias que eu não toco, multiplica isso por semanas (segundo a matemática do meu irmão) e eu terei de estudar muito para terminar essa e, quem sabe, aprender outras músicas.
Será um domingo árduo de estudo.

Aliás, taí um bom domingo improvisado, após compromisso de sessão de fotos desmarcado:

Jornal com café já de tarde porque se ficou na cama até não querer mais;
Estudar um instrumento, no meu caso, a flauta transversa;
Reler um livro antigo, no meu caso, "Cartas a Théo" do Van Gogh;
Um passeio à noitinha por algum lugar da boemia carioca...

C'est ça.

Ah, parabéns, mulheres, pelo nosso dia de hoje.
E parabéns, homens, pela paciência para conosco.


Só mais uma coisa: alguém um dia explica o fato de precisar existir o "Dia Internacional da Mulher"?

quarta-feira, 4 de março de 2009

Do avesso eu já estava.
Mas a vontade era revirar-me. O avesso do avesso.
Algum nó perdido na garganta queria sair,
algum bolo no peito precisava de espaço...
Aqueles dias em que a casa é sempre pequena.

Saí mecânica só porque era hora.

Tinha um jazz ao vivo no caminho.
Tinha uma lua de sorriso fino de ladinho
como quem tomba a cabeça para sorrir
Ao lado dela, na montanha, tinham os braços abertos e iluminados
que eu escolhi pra viver bem de perto.

Em um segundo
lembrei que o avesso do avesso nada mais é do que o inteiro.
Eu.