gostou?

gostou?

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Vizinhos

.
barulho de chave.
barulho de chave na porta da frente.
.
- Oi, boa noite.
- Noite.
.
dedo no botão do elevador.
mão atrapalhada na fechadura.
.
- Quer uma ajuda aí?
- Não, é só a chave nova que tô testando... acho que não ficou boa.
- Hum. (...) Conseguiu, achar o síndico?
- Ahã, ontem.
- Hum. Que bom.
- É.
.
tempo. silêncio.
.
- Amanhã vão fechar a água.
- É. Chato.
- Chato. (...) Ficou bem, essa roupa em você.
- Oi?
- A roupa.
- Ah. 'É nova, mas ninguém tinha reparado', pensa. Mas somente 'Obrigada', diz.
-Hum.
.
chega o elevador
destrava a chave da porta
.
- Tchau, boa noite.
- Noite.

...

Ter vizinho é ter total intimidade com aquele que te desconhece por completo.
.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Raspa O Tacho, Mas Fala Baixo

esse era o título de uma estorinha da turma da mônica que li lá na remota infância e, sabe-se lá por que cargas d’água, nunca mais esqueci.
sei que falava da raspa do doce da vó nena, tia da magali, fera em quitutinhos e cujos tachos eram alvo de briga da turma. é. eu também amava raspar os tachos de bolo da minha mãe, embora nem soubesse que o nome daquilo era tacho, aprendi com o maurício de souza. é. eu era uma criança gulosa.
não me importava com minha madrinha dizendo que podia fazer mal, que dava dor de barriga, até mesmo usando o golpe baixo do “aí dentro tem ovo cru”... o tacho era mais gostoso que o bolo, eu dizia, com os dedinhos lambuzados dentro da vasilha. ficava sentadinha no chão da cozinha e era capaz de dizer se aquele bolo ficaria bom ou não, só pelo gosto da massa. virei especialista!

eis que um dia, numa visita à loja de importados para cozinha (alegria da minha mãe, quando abriu uma perto de casa), ela chega com um sorriso largo e uma espátula molenga de silicone que deixava o pote tão limpo que era em vão a minha tentativa de meter o dedo no fundo da cumbuca.
minha mãe aderiu ao pão duro. e eu fiquei desconsolada.

hoje, cerca de dezoito a vinte anos após este episódio, tenho minha própria casa e, óbvio, não uso o pão duro. na verdade, nem sabia que tinha. foi um dia, numa visita da minha mãe, que ela achou um absurdo, onde estava ele, e, no que fui procurar, descobri sua existência.
faço bolo coisa de uma vez de três em três anos e hoje tive o prazer de raspar um tacho novamente! o bolo está no forno e, se meu radar infantil ainda funciona, vai ficar delicioso. e o melhor de tudo foi poder raspar o tacho sem ninguém repreender, poder voltar a ser moleca dentro das minhas quatro paredes! nada de pão duro, meus dedinhos não desaprenderam a técnica de deixar rapidamente uma cumbuca lisinha, como se estivesse limpa.

mas essa coisa toda na verdade foi só pra contextualizar mais uma pérola da minha mãe. porque me lembrei do dia em que ela veio aqui e sentiu falta do meu pão duro. “ah, tati, não é possível que você não tenha um pão duro, ninguém vive sem um pão duro, sua mãe vai te dar um pão duro e você vai ver como vai ser muito melhor...” só que minha mãe, figurinha, mestre em mudar a semântica das palavras, cismava que o nome do objeto ao invés de “pão”, era “pau”. releia as falas dela, por favor, com a devida mudança...

é, mãe, pode ser...

como diz meu pai, igual a essa, só mandando fazer.
.